Alfaiates e costureiras: profissão em extinção (?)


Foto: reprodução da internet
Texto e fotos 
Jaciana Sobrinho

O que é moda? De acordo com o dicionário, a palavra moda provém do latim modus, que significa maneira. Com o tempo, evoluiu para o francês mode, como maneira atual de vestir. Explicando melhor, moda é a tendência do que usar, e tornou-se também uma expressão de pensamento e comportamento. O conceito surgiu em meados do século XV, no renascimento europeu, quando a sociedade começou a criar variações nas características dos trajes que, até então, eram iguais desde o nascimento até a morte do indivíduo.

Nos dias atuais, a escolha das roupas e o ato de vestir-se é algo tão automático e democrático que passa longe do pensamento da maioria das pessoas a ideia da existência de uma lei – vigente na Idade Média – que limitava o uso de certos tecidos e cores apenas para os nobres. Passados muitos anos, veio a revolução industrial, o custo dos tecidos foi reduzido, popularizando ainda mais as roupas e aumentando a responsabilidade dos alfaiates da época, que agora precisavam criar estilos e tendências para que a nobreza não se sentisse diminuída ao usar roupas iguais às da burguesia.

De lá até aqui, nada seria possível sem a criatividade e a mão de obra dos alfaiates e costureiras que durante séculos foram os responsáveis por criar, cortar, costurar e ajustar cada detalhe das peças que usamos. O ofício, antes exercido somente por homens, já foi disciplina obrigatória para as mulheres nas escolas, chegou a ser um hobby no cotidiano feminino e algumas moças viam na atividade uma alternativa para gerar renda e obter sua independência financeira. No entanto, esse conhecimento deixou de ser repassado às novas gerações e o que se vê é escassez desses profissionais.



Dario Brito - Senac
Dario Brito, professor do curso de moda da Faculdade Senac, acredita que uma das quebras bastante significantes nesse mercado aconteceu no século XX, quando surgiram as grandes empresas do setor têxtil. “O ritmo de vida das pessoas já não permitia que elas esperassem a roupa ficar pronta, era muito mais prático ir a uma loja, escolher o que queria e comprar, ou seja, pelo famoso sistema prêt-à-porter, que quer dizer: pronto para usar”, afirma. Foi esse conceito que revolucionou a indústria da moda abrindo espaço para a produção em larga escala, preços mais acessíveis e praticidade.

Atrelada a isso, está a falta de exclusividade. Houve um tempo em que usar roupa comprada em loja de departamentos, por exemplo, era ter certeza de esbarrar facilmente com alguém usando o mesmo figurino que você a qualquer momento. Além disso, as modelagens desse tipo de comércio nem sempre contemplam todos os biotipos. Esses são os dois motivos que despertaram na costureira Marlene Cavalcanti a vontade de aprender a costurar.

Marlene trabalha em ateliê próprio há dez anos
“Foi por curiosidade e por não gostar de andar com a roupa igual a todo mundo. Nas lojas é tudo a mesma coisa. Por ter um corpo fora do padrão, também era difícil encontrar algo que ficasse legal em mim e aí eu comecei a criar minhas coisas”, conta. Marlene aprendeu com as modelagens das revistas e depois disso suas peças começaram a fazer sucesso. “As pessoas perguntavam de onde era aquela peça e, assim, com o tempo, fui comprando tecidos e fazendo algumas roupas para vender. No entanto, eu exercia outras atividades, afinal, eu não imaginava que isso viraria minha profissão”, lembra. Foi num momento de crise, desempregada, que a costureira resolveu acreditar no próprio talento como forma de se sustentar. Há dez anos, alugou uma sala no centro da cidade e montou seu primeiro ateliê.

Clodoaldo aprendeu o ofício ainda na adolescência
Já Clodoaldo Viana, nunca teve outra profissão que não a de alfaiate. Até mesmo quando serviu no Exército brasileiro, logo foi incorporado ao magazine (loja de confecção dos militares). “Quando eu tinha 14 anos, fui trabalhar com um primo que era alfaiate. Eu carregava tecidos e tinha outras tarefas até que ele me perguntou se eu queria aprender a fazer ternos. Passei quatro anos fazendo somente calças, camisas e bermudas. Lá no Exército eu me aperfeiçoei”, diz Clodoaldo. Ao sair das forças armadas, trabalhou numa loja de confecções de fardamentos por pouco tempo e há nove anos ele mantém seu ateliê, na Rua do Hospício, no bairro da Boa Vista, onde emprega sete funcionários.

Durante a apuração para a produção desta matéria, percebemos o quão difícil é encontrar um alfaiate no Recife. Até mesmo o Sindicato dos Alfaiates e Costureiras não tem mais nenhum cadastrado. Embora a cidade possua diversas faculdades de moda e o estado tenha um grande polo de confecções, com um número de registro de empresas que ocupa o quarto lugar do ranking, de acordo com dados da Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe), adquirir o vestuário sob medida é um desejo cada vez mais trabalhoso por aqui.

“Acho que não há muito incentivo e valorização desse profissional atualmente. Por isso, pouca gente continua nesse ramo”, opina Clodoaldo. Marlene comunga do mesmo pensamento. “É um trabalho detalhista, cansativo e as pessoas não querem remunerar com o preço justo. Além disso, a concorrência com as importações é desleal. Para você ter uma ideia, a China manda pra cá por R$12 uma camisa que somente o tecido custa R$ 15 o metro”, reforça.

Danielle Simões - Senac
Em meio à escassez da mão de obra e a abundante oferta de peças importadas, as faculdades de design de moda da capital colocam no mercado centenas de pessoas habilitadas para a função. Surge então, a dúvida: Para onde vão esses profissionais recém-formados? “Acredito que no início do surgimento do polo de confecções em Pernambuco, as costureiras mais antigas foram absorvidas por essa indústria. E agora há a necessidade de mais mão de obra, o que demandou a criação dos cursos de moda no estado. No Senac, como o curso é tecnológico, os alunos aprendem como desenhar, cortar, costurar e também sobre gestão de produção e confecção. Várias costureiras procuram esse curso para se aperfeiçoar e continuar mantendo o seu ateliê”, comenta a coordenadora do curso de moda do Senac, Danielle Simões.

O público que prioriza a exclusividade no seu figurino e não tem problemas com prazos, anda por aí à caça de um(a) bom (boa) pilotista disponível. A consultora de moda e blogueira Danielle Oliveira mantém o hábito de fazer roupas sob medida. “Eu faço roupas com costureira desde pequena, tradição na minha família. Também facilitava muito para mim, que sempre fui gordinha e não tinha muitas opções nas lojas regulares. Hoje em dia, meu guarda-roupa está bem dividido entre roupas de loja e as feitas por minha costureira. No geral, eu procuro uma estampa diferenciada, modelo único e acabamento melhor. Sempre que publico algo feito pela minha costureira no blog, muita gente pede o contato e se diz desesperada atrás de uma”, afirma Danielle.

Márcia de Fátima
Bem no centro da cidade, na Rua da Matriz, encontramos a alfaiate Márcia de Fátima Batista. Funcionária da Casa do Fardamento, Márcia costura desde a adolescência e é especialista em ternos e outras roupas masculinas, principalmente fardamentos militares. “As roupas femininas são mais fáceis de cortar e na hora de finalizar têm muito mais detalhes que as masculinas. Mas eu faço qualquer uma, eu amo ser alfaiate”, revela.

Também no centro da cidade, Marlene Cavalcanti atende em seu ateliê na Conde da Boa Vista e faz tanto ajustes quanto roupas por encomenda. Além disso, ainda dá aulas de costura (ver informações a seguir). E Clodoaldo, mesmo com muitas demandas, garante que há sempre espaço para mais um cliente. “Tenho encomendas o ano inteiro, recebo bastante gente que deseja um terno e sempre arranjo tempo. Não pretendo parar de costurar, tenho muito orgulho do que faço e agradeço a Deus por isso”, declara.



Ateliês Para quem quer fazer roupas, ajustes ou aprender a costurar, a Agenda Cultural do Recife dá uma ajudinha. Confira alguns ateliês que oferecem esses serviços.



  • Ateliê Fuxico

Avenida João de Barros, nº 1350 – Espinheiro

Fone: 3034 8768 / 8679 0555



  • Casa de Costura Marlene Cavalcanti

Av. Conde da Boa Vista, nº 514

Edf. Pasteur, sala 403 – Boa Vista

Fone: 3423 3421 / 8810 2618



  • Casa do Fardamento

Rua da Matriz, nº28 – Boa Vista

Fone: 3222 4808 / 3221 7132



  • Claudeci Soares

Rua Poeta Jaime Griz, nº 22 – Peixinhos

Fone: 3444 4390



  • Clô Modas – Clodoaldo Viana

Rua do Hospício, 71, 1º andar – Boa Vista

Fone: 3082 1218 / 9943 1422



  • Perreli Alfaiataria 

Av. Manoel Borba, 118 - Boa Vista  

           Fone: 3231- 4776

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